Produtores brasileiros vivem clima inédito de retomada

Produtores brasileiros vivem clima inédito de retomada

Fabiano Ristow
09 fev 22

Imagem destaque

Divulgação

Set de Tô ryca 2

Mais de 60 produtores brasileiros se reuniram ontem, 8, numa conferência virtual para debater algo que parecia quase impossível há alguns meses: a volta dos investimentos públicos no setor de produção.

O gancho do encontro foi o lançamento dos três editais que, juntos, somam R$ 651,2 milhões — e que marcam o retorno do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), o principal mecanismo de fomento do audiovisual nacional, parado há quase três anos por causa da pandemia e de um imbróglio com o TCU, cuja resolução ainda está em andamento.

Em outras palavras, após a pior crise dos últimos anos, o audiovisual brasileiro está voltando a caminhar.

"Desta vez o dinheiro é de verdade"

As novas linhas de editais, somadas às filmagens já em andamento de diversas séries e filmes do streaming, além das bilheterias animadoras de títulos nacionais nos cinemas, fazem com que o setor viva um clima de "renascimento das cinzas".

"Precisamos estar preparados porque desta vez acreditamos, do fundo do coração, que o dinheiro é de verdade", comemorou Leonardo Edde, presidente do Sicav (Sindicato da Indústria Audiovisual), que promoveu o encontro virtual de ontem, no qual Vera Zaverucha, especialista em legislação de cinema, tirou dúvidas dos produtores acerca dos editais.

Variety destaca "reviravolta de tirar o fôlego" no setor 

A "ressurreição" do FSA também foi o gancho de uma reportagem da Variety intitulada "Setor de produção do Brasil estoura após crises". O texto lembra que os profissionais atravessaram "a pior crise em 30 anos", mas que, agora, numa "reviravolta de tirar o fôlego", encontram-se num "boom sem precedentes".

O que começou com um questionamento do TCU, lá em 2019, sobre a prestação de contas de projetos filmados com recursos da Ancine, transformou-se na maior crise desde o fim da Embrafilme. A paralisação total do FSA foi seguida de ameaças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro à existência da agência e a filmes cujas temáticas desagradassem ao governo. A chegada da pandemia, em março de 2020, foi a pá de cal em qualquer resquício de esperança.

Não é à toa, portanto, que a expectativa em torno do momento atual é tão grande. Após dezenas de produtoras voltarem ao set durante a pandemia em grande parte graças às plataformas de streaming — a Netflix, por exemplo, está filmando, hoje, 26 séries e filmes nacionais —, agora o retorno do FSA dá uma dimensão inédita. "As linhas de crédito da Ancine são o melhor lugar para o produtor independente, pois ele consegue ficar com sua propriedade intelectual que no futuro poderá render importantes dividendos", resumiu Marcio Fraccaroli, presidente da Paris Filmes.

Nacionais voltam a fazer boas bilheterias

O ótimo desempenho de Tô ryca 2, lançado pela distribuidora de Fraccaroli em parceria com a Downtown, é o mais recente incentivo para o setor. Após a reabertura dos cinemas, os filmes nacionais enfrentaram muita dificuldade para encontrar o público, chegando a cravar um market share ínfimo de 1,4% em 2021, o pior desde que se tem registro de bilheterias no país.

Mas Marighella chegou em agosto provando que dava para reverter o quadro. O drama histórico movimentou debates nas redes sociais e fechou a carreira com 323,4 mil ingressos vendidos. Depois vieram o infantil Turma da Mônica - Lições, visto, até o momento, por mais de 780 mil pessoas, e o romance Eduardo e Mônica, que já acumula 326 mil de público. Em seis dias em cartaz, a comédia Tô ryca 2 conseguiu vender quase 180 mil ingressos, e ainda tem uma longa carreira pela frente.

Apesar da expectativa, setor vai com cautela

São quatro gêneros diferentes, mas acessíveis e comerciais. Os nacionais independentes ainda buscam por seu público. Os espectadores mais velhos ainda têm resistência para frequentar os cinemas. E, se tem uma coisa que o setor brasileiro aprendeu nos últimos três anos, é ter cautela quando o assunto é dinheiro de incentivo.

Mas as novas linhas de crédito da Ancine são um belo começo, e o contrato de R$ 5 bilhões firmado entre a agência e o BNDES para garantir a execução do FSA nos próximos cinco anos indica que existe planejamento a longo prazo — algo que, até meses atrás, poderia soar mais como um mero conto de fadas.