Referência
no mercado de
cinema no Brasil
Há pelo menos oito anos o direito ao corte final têm sido pauta recorrente e polêmica no meio cinematográfico, ora apontando para pequenos avanços, ora estacionada em indefinições jurídicas. Quem tem direito à palavra final na montagem de um filme, o diretor ou o produtor? É preciso dar prioridade à valorização artística ou ao uso comercial de uma obra? Quem é o verdadeiro autor do projeto, aquele que o dirige ou quem o produz, injetando o dinheiro necessário? A discussão parece não ter fim e, aparentemente, permanece sem resposta. Na última semana, essas questões foram a tônica de um debate promovido pela Associação Paulista de Cineastas (APACI) e pela Spcine (Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo).
Em entrevista ao Filme B, o advogado e pesquisador especialista em direitos autorais Allan Rocha aponta lacunas na legislação do audiovisual no Brasil como o grande problema deste imbróglio. Segundo ele, a palavra final sobre a edição de um filme ou programa não está claramente amparada por leis. No papel, cabem ao diretor da obra audiovisual os direitos morais, que dizem respeito à autoria e à integridade da obra e não podem ser transferidos. Já os patrimoniais, que determinam a exploração comercial dessa criação, podem ser cedidos e licenciados. No mundo real do mercado, no entanto, são os procedimentos consagrados que ditam parte dessas relações.
“A legislação nomeia dois coautores, o diretor e o argumentista, mas estabelece que apenas uma deles, o diretor, tem os direitos morais da obra resguardados. O problema é que, na prática, como o corte final não é mencionado, ou seja, há uma ausência de regulação estatal nesse sentindo, você deixa essa função a cargo do mercado. E quando o mercado assume essa tarefa, quem tem mais dinheiro é que vai comandar, nesse caso, os produtores. Se você for buscar na legislação, os direitos morais não podem ser transferidos, mas na prática o mercado, via modelo contratual, adquire o direito de autoria da obra”, explicou.
Cineasta briga na justiça há sete anos contra produtoras
Um caso emblemático de disputa pelo direito ao corte final aconteceu há oito anos. A diretora Luciana Burlamaqui (Entre a luz e a sombra) alega na justiça que foi impedida pelas produtoras Grifa e Mixer de editar o material de gravação de um documentário sobre o assalto ao Banco Central. Os produtores Maurício Dias e João Daniel Tikhomirof afirmam que o contrato previa “autoria coletiva”, o que tiraria a decisão final das mãos de Luciana, cabendo somente a eles decidir o que seria feito com os registros – colhidos e dirigidos por Luciana durante dois anos. O processo já corre na Justiça há sete anos, e as filmagens originais se encontram em poder das produtoras. Nenhuma negociação foi concluída até o momento e o filme nunca viu a luz do dia.
Vista de fora, a disputa entre produtores e realizadores, no âmbito legal da regulação das contratações, às vezes soa como guerra maniqueísta, tendo de um lado as forças do capital e de outro a valorização da atividade criativa. Apesar disso, o advogado Allan Rocha garante que uma mudança legislativa não resolveria tudo, ainda que seja necessária. Para ele, é preciso que de fato novas leis influam nas práticas de mercado, que hoje são altamente desequilibradas. Ele diz que o modelo praticado no Brasil reflete uma tendência global de espelhamento do modelo anglo-saxão, isto é, do copyright. “O que nós temos hoje é uma competição entre a prática do mercado versus o direito à criação versus o modelo contratual”.
Em São Paulo, debate reacende polêmica do direito ao corte final
No debate da APACI e Spcine, em São Paulo, na última sexta-feira, o tema foi dissecado pelos cineastas Beto Brant (O invasor), Beatriz Seigner (Bollywood dream) e Daniela Broitman (Marcelo Yuka no caminho das setas), além do próprio Allan Rocha e do diretor da APACI, Ícaro Martins. O gancho para a questão do direito ao corte final foram os modelos de contratação propostos, em conjunto, pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp), a Associação Brasileiras das Produtoras de Obras Audiovisuais (Apro), Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITv) e Sebrae.
A associação de cineastas encomendou um parecer jurídico sobre os contratos, que considerou os modelos “extremamente abusivos”, já que, pelo texto, os diretores perderiam o direito ao corte final e se tornariam responsáveis legais por problemas ligados ao filme.
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