Referência
no mercado de
cinema no Brasil
Com os 20 anos da Mostra de Tiradentes, críticos e pesquisadores fizeram um balanço das últimas duas décadas de cinema brasileiro. Ao contrário do que se esperaria num evento que é bastião do cinema ultraindependente, falou-se muito de mercado e da estética dos filmes comerciais que fazem mais de um 1 milhão de espectadores nos cinemas.
"É cada vez mais claro que a manutenção da produção depende da alta ocupação das telas para a sua sobrevivência”, afirmou a pesquisadora Sheila Schvartzman, especialista nas comédias populares. “Mas é preciso sempre lembrar a frase do Gustavo Dahl: mercado é cultura. E qual é a cultura do mercado do cinema brasileiro?".
Nos últimos anos, Sheila destaca que as comédias, dirigidas em geral por jovens de classe média universitária, tematizam a ascensão social que se dá pelo consumo – notabilizado, por exemplo, pelo excesso de filmes que se passam em cruzeiros (Meu passado me condena, S.O.S Mulheres ao mar, Até que a sorte nos separe). “São filmes de pedagogia do consumo para as novas classes médias", observa.
A ascensão do subúrbio
A pesquisadora destaca a figura da mulher realizada profissionalmente, mas com problemas afetivos, cristalizada nas personagens de Ingrid Guimarães. Os homens, por sua vez, surgem fragilizados pela potência das mulheres. O sexo ou o desejo, elementos centrais das pornochanchadas dos anos 70, não aparecem mais; os limites sociais estão mais rígidos. A trilha sonora brasileira em geral dá espaço para músicas quase 100% americanas.
Mas Sheila não é apenas crítica sobre as comédias grande público e vê notáveis evoluções em algumas delas. “Em vez de ter o enriquecimento e a zona sul do Rio como centro, Vai que cola – O filme suburbaniza o Leblon. Em Tô Ryca, a frentista percebe o quanto a ascensão social é difícil mesmo tendo muito dinheiro para gastar. Em Minha mãe é uma peça 2, Dona Hermínia surge preocupada com a inserção social dos filhos”, comenta.
Sem Dercy
Já o pesquisador João Luiz Vieira destacou o crescimento da importância dos esquemas de produção coletiva como Alumbramento, do Ceará, Filmes do Caixote, de São Paulo, e Filmes de Plástico, de Minas. Especialista nas chanchadas brasileiras dos anos 50, de José Carlos Burle e Carlos Manga, ele destaca uma lacuna atual. "O que parece ter desaparecido de vez é a paródia, existente desde os anos 30 por aqui. O cinema brasileiro perdeu a ousadia? Dercy Gonçalves ainda seria audaciosa hoje em dia?", pergunta.
Cleber Eduardo, curador de Tiradentes, fez observação na mesma linha quanto ao cinema independente. "Sinto que falta humor nos filmes da nova geração. Eles surgem sempre reativos, melancólicos. Talvez isto esteja ligado ao nosso momento político e social".
Luiz Carlos Merten, crítico de cinema do Estadão há 28 anos, defende a importância de se analisar as comédias populares tanto quanto os filmes pequenos. "A chanchada dos anos 50 foi revalorizada pelo meio acadêmico nos anos 70. Agora, começamos a ter uma revalorização da pornochanchada. Não sei quanto tempo vai ser preciso para entender o que as ditas globochanchadas nos dizem sobre o país", observou. “Num país com discursos homofóbicos no Congresso e propostas de cura gay, é maravilhoso ver Dona Hermínia enfurecida porque adora o filho gay e não quer vê-lo saindo com mulheres".
*O editor-assistente viajou a convite da organização do festival
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