Carta de Tiradentes pede revisões na política audiovisual

Carta de Tiradentes pede revisões na política audiovisual

Ana Paula Sousa
26 jan 23

Depois de cinco dias de discussões envolvendo mais de 50 profissionais do audiovisual, o Fórum de Tiradentes, realizado na cidade histórica mineira, dentro da Mostra de Cinema, divulgou, na tarde de ontem, um conjunto de diretrizes consideradas essenciais para a “reconstrução” do setor audiovisual brasileiro.

O documento sintetiza os diagnósticos e as recomendações produzidos por cinco Grupos de Trabalho (GTs): formação, preservação, produção, distribuição/circulação e exibição/difusão. 

Leo Lara/Universo Produção
Leitura da Carta de Tiradentes

Esses grupos se debruçaram sobre questões específicas de cada área e, posteriormente, dividiram seus documentos com os demais grupos  numa dinâmica que procurou olhar para o audiovisual de forma transversal. 

A coordenação executiva coube a Raquel Hallak, diretora da Mostra de Cinema de Tiradentes, e a Mário Borgneth e Alfredo Manevy, que trabalharam como gestores públicos do setor em diferentes governos do PT.

Cinema independente

O texto lido por Hernani Heffner, do grupo de preservação, e Vânia Lima, do grupo de produção, começa com duas perguntas: “Como se destrói um país?” e “Como se constrói um país?”.

Depois de desfiar os ataques sofridos pelo setor cultural e, em particular, o audiovisual desde 2016, o texto afirma que o Fórum espelha o tema da Mostra de Cinema de Tiradentes de 2023: Cinema Mutirão. 

Embora o cinema dito industrial  ou aquele que tem nos resultados comerciais seu principal objetivo  estivesse representado nos GTs, foi, sobretudo, o “audiovisual de feição realmente independente” que deu o tom ao encontro.

Agenda ampla

Nos trabalhos produzidos por todos os grupos, tiveram grande destaque as demandas por políticas afirmativas e por ações específicas para regiões e territórios desfavorecidos.

Isso não significou, porém, a ausência de demandas particulares para cada setor. Ao contrário. 

A presença de profissionais de perfis muito variados possibilitou um mapeamento aprofundado do ecossistema audiovisual e das relações entre as diferentes atividades e os diferentes perfis de produção.

Leo Lara/Universo Produção
Leitura da Carta de Tiradentes

“O todo passou a olhar para o específico de cada setor”, disse Borgneth, na apresentação. “Essa metodologia foi muito rica porque permitiu que cada campo de trabalho pudesse se expressar.”

Os documentos finais a serem ainda sistematizados trarão uma ampla agenda, que tende a pautar parte da política audiovisual nos próximos quatro anos. 

“Esperamos que este encontro marque um momento novo para o audiovisual, e que outros diálogos como este possam acontecer”, disse Manevy.

Streaming e Cota de Tela

Neste primeiro momento, a carta fechou o foco sobre as recomendações consideradas “estruturantes e transversais”.

O documento será encaminhado ao Ministério da Cultura, à Secretaria do Audiovisual e à Ancine, e depois disponibilizado para toda a sociedade.

Dentre os itens elencados, tem destaque o “resgate e a qualificação” do tripé da institucionalidade da política audiovisual. Isso significa devolver ao Conselho Superior de Cinema o seu papel de formulação de políticas ao setor, e, à Secretaria do Audiovisual, o protagonismo e capacidade operacional.

Pediu-se também a criação do Marco Regulatório do Fomento à Cultura, “para dar segurança jurídica ao setor cultural e garantir a plena execução e alcance das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2”.

No que diz respeito ao funcionamento do mercado, foram tratados como temas prioritários a regulação do streaming; o restabelecimento da Cota de Tela nas salas de cinema; a prorrogação das cotas previstas na Lei 12.485 (2011); o incremento nas linhas não reembolsáveis no Fundo Setorial do Audiovisual para todos os segmentos; e a prorrogação da Lei do Audiovisual.

Os desejos de cada um

Em uma plenária realizada na terça-feira 24, ou seja, um dia antes da redação da Carta de Tiradentes, cada grupo apresentou dez recomendações setoriais.

O grupo de exibição mostrou a enorme variedade de modelos de negócios que o digital trouxe para o setor e, ao mesmo tempo, reforçou sua crença no forte papel da sala de cinema para o ecossistema do audiovisual.

No caso da distribuição, uma premissa antecedeu as sugestões: projetos de perfis e tamanhos distintos demandam diferentes modelos de políticas públicas. 

Se o setor da produção, historicamente o mais articulado elo, organizou demandas já bastante conhecidas, os GTs de formação e preservação puderam expor suas pautas para profissionais que quase não as ouvem e mostrar sua centralidade para a sobrevivência e o crescimento do setor como um todo.

*Ana Paula Sousa integrou o GT de Distribuição do Fórum de Tiradentes