Referência
no mercado de
cinema no Brasil
O Ministério da Cultura (MinC) publicou ontem, 3 de julho, sugestões de minutas de editais para aplicação dos programas culturais contemplados na Lei Paulo Gustavo (LPG). Tais documentos são destinados aos gestores municipais dos Planos de Ação (PA) aprovados, conforme descrito e disponível na página do ministério.
As minutas sugeridas têm o objetivo de facilitar o trabalho dos municípios com seus planos. Mas, ao sugerir, induz o responsável pela ação a repetir o texto nos editais locais. Como muitas vezes acontece, a intenção pode ser boa, mas o problema criado destrói a ação e compromete a política pública.
O imbróglio está nas definições propostas para ações que atendem ao inciso II do artigo 6o da LPG, cujo texto citamos abaixo:
"Apoio a reformas, a restauro, a manutenção e a funcionamento de salas de cinema, incluída a adequação a protocolos sanitários relativos à pandemia da covid-19, sejam elas públicas ou privadas, bem como de cinemas de rua e de cinemas itinerantes."
A recomendação expressa nas minutas passa por cima, sem citar, das “salas de cinema” e dos custos necessários à implementação dos protocolos relacionados com a covid-19, para se concentrar nos cinemas itinerantes e nos de rua. A descrição de cinema itinerante é adequada, embora a prioridade recebida pela modalidade seja questionável. Mas a definição de cinema de rua é desastrosa, pois distorce o conceito tradicional e acaba por sugerir a eliminação das empresas de exibição dos benefícios da LPG. O texto da minuta define:
"Para este edital, cinema de rua é um serviço de exibição aberta ao público de obras audiovisuais para fruição coletiva em espaços abertos, em locais públicos e em equipamentos móveis, de modo gratuito."
O setor de exibição é vital à indústria audiovisual brasileira. Pela regra sugerida, não será possível utilizar recursos da LPG para revitalizar um verdadeiro cinema de rua. Por exemplo — e tirando proveito da volta do escritório da Filme B para a Cinelândia, Rio de Janeiro — um projeto para reabertura do tradicional cine Odeon não se enquadraria nas ações culturais apoiadas pela lei. Mas seria possível montar um espaço de projeção na praça em frente ao cinema, com “equipamentos móveis”, cadeiras e telas, “de modo gratuito”. Na definição, o cinema de rua não está em um imóvel; é transformado em um simples serviço a céu aberto e provisório por natureza.
Exibições ao ar livre devem ser sempre excepcionais, realizadas em eventos como festivais, com controle contra pirataria e previamente aprovadas pelos autores, produtores e/ou distribuidores da obra audiovisual. Não são adequadas a serviços de exibição contínuos, como os sugeridos pelas minutas divulgadas pelo MinC. Algumas foram realizadas sem remuneração e autorização dos detentores dos direitos autorais e comerciais das obras veiculadas.
Por outro lado, as empresas de exibição brasileiras enfrentam grandes dificuldades, em decorrência dos meses de paralisação. As pequenas e médias organizações nacionais detêm uma participação relevante no mercado exibidor, possibilitando um ambiente de concorrência raro em outros países. São, além de tudo, importantes geradoras de empregos para trabalhadores jovens, em sua maioria.
Não acreditamos que a intenção do legislador tenha sido não contemplar tais entidades, muito pelo contrário. Mas ao propor um texto que desvirtua a definição do cinema de rua, o MinC reescreve e altera o sentido da LPG.
O equívoco é tão evidente que, caso não seja corrigido, permite a conclusão que entristece e preocupa: não vai dar certo.
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