Referência
no mercado de
cinema no Brasil
Apesar de os cinemas estarem abertos e de terem à disposição uma boa oferta de novos lançamentos, ainda há uma pedra no caminho da recuperação total do setor de exibição: o preço dos ingressos.
Num momento em que o país enfrenta uma crise econômica e uma inflação nas alturas, o espectador tornou-se muito mais criterioso na hora de desembolsar dinheiro para ir aos complexos, ainda mais com a grande gama de conteúdos disponíveis no streaming.
O resultado? As bilheterias estão mais concentradas do que nunca em poucos títulos — em especial os grandes blockbusters, como foi o caso de Homem-Aranha - Sem volta para casa (Sony) e, agora, Batman (Warner) —, em detrimento dos títulos médios e, ainda mais, os independentes e nacionais.
Diante do desafio, alguns profissionais do audiovisual passaram a se perguntar: é hora de rever a política de preço dos ingressos praticada no Brasil? E mais: é possível reduzir o valor dos bilhetes sem canibalizar os filmes e prejudicar os exibidores?
"Comprar comida ou ingresso para o cinema?"
"Num país em que o quilo de cenoura chega a R$ 15, como pagar pelo ingresso?", questiona Márcio Fraccaroli, presidente da Paris Filmes. "Eu nunca tive tanta dificuldade para atrair o espectador: ele chega na porta do cinema e desiste. O valor de referência dele é o streaming. É claro que mudar a política de preço não é uma questão simples, mas está na hora de provocarmos essa discussão para que o cinema volte a ser um programa acessível."
Bruno Wainer, da Downtown, reconhece que é o exibidor "quem sabe onde dói mais o calo". Mas também defende uma mudança.
"Para um filme popular nacional, o preço conta muito. Tô ryca 2, por exemplo, ficava numa boa posição nos dias úteis, quando os ingressos são mais baratos, e era ultrapassado nos fins de semana por filmes há mais tempo em cartaz. Em contrapartida, o espectador vai pagar o preço que for para ver Batman. Acho que oferecer valores mais baratos para títulos nacionais deste perfil seria um atrativo, mas teria que testar antes para não haver o risco de aumentar o público e baixar a renda. Eu toparia testar num filme bastante popular, como Os suburbanos", avalia Wainer.
Promoção do varejo faz assinatura do streaming despencar e "bota fogo" no mercado
A discussão em torno da política de preços foi acelerada pela crise da pandemia, mas não é de agora. Ganhou solidez com a popularização dos cinemas de shopping, que cobram, direta ou indiretamente, taxas adicionais por fatores como segurança, conforto e investimento em tecnologia. Mas o aumento do valor do bilhete foi, historicamente, bem aceito pelo público. A pandemia, a crise econômica e as assinaturas de streaming já pagas pelo consumidor mudaram tudo.
Hoje, em média, o preço das sessões dos longas em cartaz varia entre R$ 20 e R$ 25, segundo dados do PMI disponíveis no Filme B Box Office Brasil, enquanto diversas plataformas oferecem assinaturas mensais com valores menores. Sem contar, é claro, os gastos com logística, estacionamento e bombonière.
Estudo divulgado pelo Panorama Mobile Time/Opinion Box em dezembro de 2021 revelou que dois em cada três brasileiros assinam pelo menos dois serviços de streaming, e 20% declararam assinar quatro ou mais. Hoje, o plano básico da Netflix custa R$ 25,90. O da Amazon, R$ 9,90. O da Disney+ — principal plataforma direcionada à família — custa R$ 27,90, mas há combos que reduzem drasticamente o valor.
Uma promoção do Mercado Livre válida até o fim de março, por exemplo, oferece o combo Disney+ e Star+ por R$ 9,90 mensais por um ano. O desconto está disponível para clientes "nível 6" no programa de fidelidade. Num momento em que as plataformas enfrentam o desafio da desaceleração de assinaturas, uma estratégia como essa é essencial para a sobrevivência num mercado cada vez mais competitivo.
"Essas estratégias das plataformas apenas começaram, e elas vão brigar muito mais pelo consumidor", acrescenta Fraccaroli. "O exibidor precisa pensar numa reação coletiva. Isso sem contar a questão da janela reduzida: por que ver Vingadores nos cinemas se poucas semanas depois estará de graça ou por um valor reduzido no streaming?".
Para o distribuidor, nunca foi tão importante o governo regulamentar o mercado: "O principal, agora, é proteger o produto local. Como o Estado brasileiro vai incentivar a sala de cinema e a cultura nacional? São temas grandes que vamos ter que enfrentar."
Outro lado
Luiz Gonzaga Assis De Luca, presidente da rede Cinépolis, por outro lado, acha que, no Brasil, "é o exibidor quem decide o melhor valor para si".
Rodrigo Saturnino Braga detalha a importância de caber apenas ao exibidor a política de preço dos ingressos: "Só ele tem condições de avaliar o ambiente social da sua região e a reação do público. Ao distribuidor cabe acompanhar e interferir somente no caso de uma prática de preços excessivamente baixos, que vise atentar contra a concorrência ou aumentar artificialmente o tráfego no cinema para incrementar vendas de outros produtos, por exemplo."
Saturnino lembra que a "inflação é terrível para produtos como o cinema", e que "manter uma oferta diversificada é o mais essencial para não afastar mais o público que deseja variedade de opções".
"A crise vai passar, e pode ser difícil recuperar o espectador que abandonou o hábito de ir ao cinema por não ter boas opções para o seu paladar cinematográfico. Aqui, a capacidade dos programadores das salas será testada", diz.
Saturnino completa dizendo que, se for pensar numa mudança na política de preços, seria necessário fazer um estudo antes:
"Acho que estudos podem e devem ser feitos para avaliar os resultados, comparando-os com filmes similares anteriores e com cinemas com o mesmo perfil de público que não adotaram a mesma fórmula para o filme em questão", diz.
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