Referência
no mercado de
cinema no Brasil
Se a Mostra de Tiradentes completa 20 anos, sua principal vitrine, a mostra Aurora, competição de longas-metragens que aponta novos horizontes para o cinema independente brasileiro, completa agora dez anos. O evento promoveu um debate com o criador e curador da Aurora, Cléber Eduardo, e cinco cineastas vencedores da competição. Este ano, houve novo recorde de inscritos (157 longas), dos quais 78 inéditos em festivais.
"Numa época em que o cinema brasileiro já tinha cinco minutos de logos de patrocinadores nos créditos antes de começar, esses filmes já começavam rápido, sem logo nenhum", brincou Cléber. "Senti que essas obras iam crescer por conta do digital, e pela insatisfação de jovens que não iam esperar dez anos para fazer seu primeiro longa". Segundo ele, a Aurora busca a diversidade e já exibiu "desde um TCC [trabalho de conclusão de curso de faculdade] até filme com orçamento de 1 milhão de reais, altíssimo para os padrões de Tiradentes".
Segundo seu levantamento, a Aurora primou pela descentralização de produção. Nos últimos dez anos, apenas 38% (27 longas) vieram do eixo Rio-São Paulo. Outros 43% (30 longas) vieram de Minas, Pernambuco e Ceará. Houve ainda filmes de outros oito estados.
Lidando com o depois
Para Cléber, o maior problema é a falta de projeção e lançamento desses filmes miúras depois do festival. “Aqui tudo parece forte porque estamos todos juntos, nessa energia. Mas depois começa a realidade. Alguns filmes só passam aqui, e só têm a recepção que merecem aqui", opina. De fato, depois de premiados, nenhum dos cinco diretores da mesa passou a filmar com maiores orçamentos ou obter uma distribuição maior de seus longas.
Para o carioca Bruno Safadi, discípulo de Julio Bressane e primeiro vencedor da Aurora com Meu nome é Dindi (2007), é preciso se esforçar para sair de um certo círculo vicioso do cinema de guerrilha. "Este nosso grupo de pequenos cineastas, críticos e curadores é uma cadeia aprisionadora. Não há desvio [artístico ou estético]. É um mal do qual tento me livrar diariamente. Ter filmes em festivais não pode ser significado de qualquer coisa. Quero tentar fazer 30 filmes, construir uma carreira e fazer isso até morrer."
Por outro lado, o mineiro Tiago Mata Machado, vencedor em 2011 com Os residentes, defende o cinema ultraindependente como um "anacronismo saudável" diante do mercado e das novas plataformas. "Você vai nas escolas de cinema e os meninos só falam em séries de TV. Estamos lidando com uma ruína [o cinema]. Mas justamente por ser anacrônico é que ele pode ter um olhar que não seja sob as luzes do presente. É um olhar precioso feito sob as trevas da época", diz em tom filosófico. "A gente precisa ser minoritário até o fim, senão a gente não é nada."
Efeitos da crise
O carioca Allan Ribeiro, de Mais do que eu possa me reconhecer (2015), disse acreditar que um eventual corte nas políticas de fomento não vá afetar a safra de mostras como Tiradentes. "Vai ser um rombo enorme, claro, mas com certeza não vamos ter falta de filmes para festival". Para ele, o sucesso da mostra despertou incômodo em produtores e agentes de mercado maiores ao conseguir mais espaço na mídia.
O cearense Pedro Diógenes, do coletivo Alumbramento, de Estrada para Ythaca (2010), destacou a importância vital, para o cinema do seu estado, de recursos públicos do programa DOCTV, do Fundo Setorial, dos núcleos criativos e do Prodecine 5, dedicado a filmes autorais. “Foi aqui na Aurora que vimos que era possível fazer cinema e chegar aos olhos dos espectadores".
*O editor-assistente viajou a convite da organização do festival
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