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no mercado de
cinema no Brasil
Depois de 30 anos de desenvolvimento, Malasartes e o duelo com a morte, de Paulo Morelli (Cidade dos homens), finalmente será lançado nos cinemas em agosto deste ano, com um orçamento de R$ 9,5 milhões e distribuição da Paris/Downtown. Ainda em fase de pós-produção, o longa já pode ser considerado um ponto fora da curva no cenário nacional ao apostar pesado nos efeitos especiais – serão mais de 700 cenas – para dar vida às aventuras de Pedro Malasartes (Jesuíta Barbosa), caipira bom de lábia e enganador, que terá sua esperteza posta à prova pela ceifadora de almas, a Morte (Júlio Andrade).
O personagem tem raízes no folclore brasileiro e português, com menções em canções e cantos populares desde o século XIII. Já se prestou a diversas adaptações, de óperas a filmes. Também apareceu na TV em programas como O Sítio do Pica-Pau Amarelo e em um especial de Renato Aragão de 1998.
Em entrevista ao Filme B na Comic Con Experience, em dezembro, o diretor Paulo Morelli falou sobre as dificuldades de viabilização do projeto; a aposta na mistura entre aventura e “caipirês” como fórmula de sucesso para o lançamento; demora na pós-produção (que deve terminar em junho, depois de um ano e nove meses de trabalho de quase 50 profissionais); inserção deste tipo de filme no cenário nacional; e o lançamento de uma versão do filme para TV, com cenas inéditas.
Malasartes é um personagem bastante popular no folclore brasileiro e já ganhou uma adaptação com Mazzaropi [As aventuras de Pedro Malasartes] para os cinemas, em 1960. De onde surgiu a ideia para esta nova produção?
Em 1986, a gente [os cineastas Paulo Morelli, Fernando Meirelles, Marcelo Machado e José Roberto Salatini] tinha uma produtora chamada Olhar Eletrônico e, naquele momento, fiquei com vontade de fazer uma série de TV sobre o folclore brasileiro. Comecei a pesquisar e encontrei o Malasartes. De cara, me apaixonei pelo personagem, porque ele tem uma coisa essencialmente brasileira: é um cara muito esperto, enganador, mas também de bom coração, com uma ingenuidade. Pra mim, malandragem com ingenuidade era o equilíbrio perfeito e tinha muito a ver com o Brasil daquela época. Hoje em dia, os enganadores são mais cínicos, o Brasil está dando uma mudada, mas eu acho que ele [o Malasartes] faz parte do DNA de ser brasileiro.
E de onde veio a inspiração para transformar os contos do malandro Malasartes em uma história fantástica, repleta de efeito especiais?
Nessa mesma época em que eu estava trabalhando na pesquisa sobre folclore brasileiro, acabei enveredando também pelo folclore mundial e encontrei muitas histórias interessantes nas quais havia personagens que tentavam enganar a morte. Foi aí que decidi juntar tudo e fazer uma história só. Num duelo entre Malasartes e a Morte, quem vai enganar quem? Esta é a questão que o filme propõe de maneira lúdica, porque é uma comédia feita para atingir todos os públicos. Queremos seguir um padrão meio Disney: tem que funcionar com as crianças e tem que ser interessante para os adultos também. É o famoso filme família.
Quase 30 anos separam o primeiro roteiro de Malasartes e o duelo com a morte de suas filmagens. Por que a demora foi tão grande?
Escrevi o primeiro roteiro em 1986, pensando em uma série de TV com episódios de 25 minutos, mas acabou não rolando por falta de verba. Nos anos 90, com a Lei do Audiovisual, retomei o projeto e o reescrevi em formato de longa. Cheguei a captar parte do dinheiro, mas depois de anos, vi que não iria conseguir o suficiente para filmar. A solução foi transferir o dinheiro para outro projeto, que acabou sendo o Viva voz (2003), antes que o prazo da Ancine chegasse ao fim e o valor tivesse que ser devolvido. Em 2008, com o Prêmio Adicional de Renda que ganhei graças ao Viva voz, decidi investir em um novo roteiro para Malasartes e no desenvolvimento de outros sete projetos, já que o dinheiro não daria para rodar um novo filme. Fiz Cidade dos homens (2007) no meio do caminho e o Malasartes entrou na fila para ser o próximo.
Mas o Entre nós acabou saindo antes, em 2013...
Pois é, as filmagens de Malasartes aconteceram só em 2015. Mas, de verdade, eu achei bom ele ter demorado esse tempo todo, porque se tivesse sido feito em qualquer um desses outros períodos, ele iria ficar muito tosco, parecendo um teatro filmado. A história do Malasartes e da Morte se passa num mundo fantástico e a cenografia é toda feita de velas. Hoje, os efeitos especiais estão me dando [luzes de] velas maravilhosas, é um negócio incrível, mas naquela época seria um monte de velinhas em cima da madeira do teatro, era o que dava para fazer nos anos 80, era datado, mas era o possível.
Malasartes e o duelo com a morte é uma iniciativa inédita no cinema nacional, pois se trata de um filme essencialmente de pós-produção. Como foi administrar um orçamento de quase R$ 10 milhões para uma produção nesses moldes?
A palavra estressante talvez descreva um pouquinho (risos). Brincadeira, nós sabíamos que seria assim desde o começo, então alocamos uma verba significativa para os efeitos especiais, que estão sendo feitos pela própria O2 Filmes [a produtora do filme], mas é estressante porque o trabalho começa a ficar maior do que você consegue planejar. Acredito que nunca foi feito um filme tão grande de efeitos especiais no Brasil – são mais de 700 cenas. Isso implica em abrir mão de certas coisas, porque você não consegue fazer tudo, tem que haver adequação. O que ajudou muito a gente a chegar até o final do processo é que a Globo está montando uma versão seriada do filme para a TV, e com isso conseguimos uma ajuda para o orçamento da pós-produção.
Existe ainda hoje no Brasil certo preconceito do público com a produção nacional que foge ao modelo das grandes comédias ou biografias musicais. Como vocês estão preparando esse filme para o mercado?
A briga hoje em dia é de cachorro grande. A gente sabe que a indústria americana tem uma competência monstruosa, consegue fazer uma produção extremamente atrativa e sedutora, e a gente vai tentar caminhar em paralelo a isso, abrindo um espaço que seja de sedução. Vamos criar um monte de peças, trailers, pílulas, fazer todo um trabalho de mídia social, principalmente no Facebook, já que hoje nos é dada essa possibilidade mais acessível de comunicar, para criar vontade nas pessoas de mergulhar nesse universo, que é uma mistura de universo fantástico, que agrada todo mundo, e caipira brasileiro. Eu acho que esse equilíbrio é o charme do filme. É um filme atemporal, mas que faz esse resgate das origens brasileiras, todo falado em “caipirês”, com muito orgulho. Digamos que é um medieval brasileiro caipira, junto com o universo fantástico.
Confira abaixo o teaser de Malasartes e o duelo com a morte.
Malasartes e o Duelo com a Morte Teaser from O2 Filmes on Vimeo.
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