Para roteirista, TV resiste a papéis femininos fortes

Para roteirista, TV resiste a papéis femininos fortes

Thayz Guimarães
09 mar 16

Imagem destaque

Divulgação

Jessica e Luke em cena de Jessica Jones

Produtora executiva, roteirista e showrunner com mais de 22 anos de carreira, Melissa Rosemberg pode não ser, a princípio, um nome conhecido entre os brasileiros, mas basta dar uma olhada rápida em seu currículo para esta incerteza desaparecer. Nele constam séries como The O.C.: Um estranho no paraíso e Dexter, além todos os cinco filmes da Saga Crepúsculo, que, juntos, arrastaram mais de 31 milhões de espectadores aos cinemas brasileiros entre 2008 e 2012. Ela também é uma das poucas roteiristas do mundo que escreveu uma série de sucesso global: Jessica Jones. Nesta quarta, 9, ela esteve no RioContentMarket, onde falou sobre as dificuldades e nuanças de se trabalhar com uma série protagonizada por uma mulher, e como a entrada da Netflix no mercado exibidor promoveu uma mudança de chave essencial para essas histórias.

Melissa contou que, durante muito tempo, viveu a era de ouro da TV, especialmente da TV paga, na qual tinham destaque grandes personagens muito bem elaborados, como em Família Soprano e Mad Men. Mas todos esses papéis eram exclusivos de homens, aliás, homens brancos. Este padrão começou a ser questionado, segundo a roteirista, a partir do sucesso das séries Weeds; Nurse Jackie; e Orange is the new black. “Já estava na hora de a televisão aceitar um papel feminino como destaque”, ironizou.

ABC engavetou Jessica Jones por cinco anos

Foi justamente nesta época que Melissa decidiu procurar a rede de televisão ABC para dizer que gostaria de fazer uma série protagonizada por uma mulher, “mas que fosse uma personagem complexa como o Tony da Família Soprano”. Sua primeira tentativa de venda nesse modelo, porém, foi descartada pelo canal já na apresentação. “Para eles, era inconcebível a história de uma mãe que traficava drogas“, explicou, em meio a risadas.

De acordo com a roteirista, o cenário ganhou novos ares quando Marvel e ABC chegaram com o projeto de Jessica Jones, uma personagem, segundo a própria roteirista, “repleta de defeitos”. Os primeiros esboços, porém, não agradaram em nada a emissora, que disse se tratar de um material muito pesado, fosse o personagem homem ou mulher. A roteirista pensa diferente: “Eu acho que o fato de ser uma série com um papel feminino tão sombrio fez com que a resistência fosse maior”. O projeto então foi engavetado por longos cinco anos, até o surgimento da Netflix no mercado de distribuição via streaming. Depois de produzir Demolidor, a empresa logo se interessou pela história da detetive Jessica Jones.

Em defesa dos excluídos

A série trabalha diversas questões de representatividade de minorias, como violência sexual e psicológica contra a mulher, casamento gay, preconceito racial e outros. Melissa conta que o processo de inclusão de tais temas não foi consciente. Tudo começou quando ela estava acompanhando um set de filmagens de Jessica no Brooklyn, um dos distritos de Nova York. “A cena já estava toda rodada e não teria como refazê-la. Pode ser uma visão muito feminista, mas, quando percebi que todos os médicos da cena eram homens, as mulheres ocupavam apenas o cargo de enfermeiras, e os pacientes eram representados por minorias, eu surtei”.

Desse dia em diante, Melissa começou a pregar uma nova regra para os diretores-assistentes: em toda cena de multidão, sempre que eles pensarem que um ou outro personagem ficará melhor dessa ou daquela maneira, eles terão que fazer justamente o contrário. “Eles odeiam isso, mas é assim que eu passei a trabalhar”.