Referência
no mercado de
cinema no Brasil
Maior evento internacional de negócios e conteúdos audiovisuais da América Latina, o RioContentMarket abre sua programação hoje, dia 9, no Rio de Janeiro. Mas, para os interessados em esquentar as turbinas, a terça-feira foi um prato cheio de atividades, dominado por temas como o direito à propriedade intelectual no Brasil. A pauta é ainda bastante fresca e polêmica para o setor audiovisual, tanto que mereceu quatro mesas ao longo do warm up. Os debates reuniram advogados especializados e representantes de órgãos públicos, sindicatos e associações ligados ao tema, no Hotel Windsor, na Barra da Tijuca. Confira abaixo alguns destaques:
Desigualdade entre produtores e outros profissionais
Cláudio Lins, do Sindicato da Indústria Audiovisual (SICAV), explica que, atualmente, todos os envolvidos na cadeia de produção de uma peça audiovisual – desde o maquiador e o figurinista até o diretor e o roteirista – precisam ceder seus direitos intelectuais sobre aquela obra já no começo da cadeia de produção, ao assinar o contrato. A partir deste momento, o produtor passa a deter o direito patrimonial sobre aquele trabalho, sendo considerado então, por lei, o seu “autor” e único beneficiário da rentabilização econômica do produto e/ou derivados.
Para Dario Correa, advogado e consultor de direito de autor e imagem, esse modelo que opõe argumentistas, roteiristas e diretores e produtores e investidores é desleal porque “a lei que rege os direitos autorais da obra audiovisual no país só prevê remuneração para os produtores”, afirma. Enquanto o produtor poderá se beneficiar de qualquer lucro gerado posteriormente pela peça – como bilheteria nos cinemas, venda para redes ou canais exibidores, licenciamento de marca, reexibição do conteúdo –, os demais professionais receberão apenas o valor previsto em contrato.
Autoria, um conceito impreciso e defasado?
Mas o problema não para por aí. Segundo Carla Brito, representante da Associação dos Roteiristas, há uma falha na legislação quando se trata de definir o que seria a “autoria” de uma obra. Ela afirma que da forma como está hoje, a definição dá margem a interpretações múltiplas. Outro problema apontado pela advogada é o descompasso entre a expansão do setor audiovisual e a remuneração de roteiristas, argumentistas e diretores, para ela, os verdadeiros autores de uma obra. “Há o crescimento do consumo de filmes e séries, mas esses profissionais não estão participando disso porque sua remuneração é acertada muito antes do lançamento do produto, quando ainda não se tem dimensão de seu potencial efetivo”, explica.
Gestão coletiva
Carla propõe como solução para esse impasse a criação de uma lei global para o mercado – que, segundo ela já funciona em moldes mundiais –, através da imposição de um direito inalienável à remuneração para argumentistas, roteiristas e diretores. Nas palavras da advogada, “o importante é que os coautores tenham participação nas receitas que o mercado adquire com a obra”.
Claudio Lins, por outro lado, acredita que essa via provavelmente engessaria o funcionamento do mercado e mesmo a remuneração. “Será que o melhor caminho é criar um direito inalienável, intransmissível, que criará quase que um imposto no final da cadeia produtiva?”, questiona. “A partir do momento que você faz isso, você engessa um mercado que está em constante ebulição. O que vale hoje, daqui três anos já não serve mais. Eu acredito que é preciso diálogo para tornar esta questão flexível, porque só será bom para o mercado quando for bom para todos”.
Um caminho defendido pelo advogado Daniel Pitanga é o da gestão coletiva, que, como ele próprio diz, “é um tema extremamente novo para o setor audiovisual, apesar de ser já consolidado no mercado fonográfico”. Daniel explica que o poder de negociação de um roteirista ou diretor é muito baixo, e que eles são o elo fraco da cadeia. O advogado cita um exemplo: “Se o cara está precisando de dinheiro, como terá força para negociar de forma justa um contrato com um grande produtor? No final das contas, ele acaba aceitando quase qualquer coisa, porque precisa pagar suas contas”. Ele deixa claro, porém, que não inclui neste contexto autores de renome que têm contratos com grandes canais, por exemplo.
Segundo Pitanga, a gestão coletiva basicamente serve para reduzir gastos de transação e viabilizar um exercício de direito e defesa dos direitos autorais de seus associados. Para ele, é impossível ter um mundo extremamente digital sem uma estrutura de arrecadação e distribuição coletiva dos direitos do autor. “Imagina você, sozinho, ficar controlando quem está usando o seu filme, a sua trilha, sei lá, num canal do YouTube no Japão, ou em um cinema na Argentina?”, brinca.
Para Gloria Braga, superintendente executiva do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), a história demonstra que gestões coletivas como a da música, que existe há 80 anos, se organizaram, foram se aprimorando e, hoje, representam uma grande parcela dentro do PIB brasileiro. Gloria também afirma que esse modelo possibilitará um ganho em escala para todos os autores, uma vez que dará fim à individualização das negociações. “Não será mais aquele diretor, aquele roteirista que estará negociando com uma produtora, será a associação. E quando entra a associação não é possível saber qual a parcela de influência daquele diretor ou daquele roteirista naquela decisão", defende.
O futuro da regulação no Brasil
O Brasil é um mercado altamente regulado em termos de produção audiovisual. E, segundo Rodrigo Salinas, advogado, essa regulação tem dois objetivos muito claros: financiar a produção independente e fomentar a demanda por conteúdo nacional. A esses dois fatores, ele ainda acrescenta o direito autoral como uma prioridade desejável. Para Salinas, “produtores audiovisuais brasileiros independentes devem deter os direitos de propriedade intelectual sobre as obras produzidas”, afirma.
De acordo com Debora Ivanov, diretora da Agência Nacional do Cinema (Ancine), os princípios e fundamentos do direito à propriedade intelectual para produtores independentes hoje são garantidos pela MP 2228, a Deliberação 95 e o PRODAV, mas estes precisam ser revistos, já que datam de 2011, 2010 e 2014, respectivamente, isto é, todos de períodos anteriores ao boom do VoD. “Isso está sendo revisto na agência, de forma a conciliar e atualizar conceitos. Sentimos também a necessidade de publicar uma IN [instrução normativa] sobre definições – o que é uma produção independente, o que é poder dirigente, por exemplo. Até o final do ano estaremos fazendo uma consulta pública que abordará todos esses assuntos, cinema, TV, fundo setorial, propriedade intelectual etc.”, garante.
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