Em Cannes, Netflix comenta polêmica de janelas

Em Cannes, Netflix comenta polêmica de janelas

Redação
15 mai 15

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Neilson Barnard/Getty Images

Sarandos: 'não somos anticinema'

Numa dos mais aguardados encontros de mercado de Cannes, o chefe de conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, subiu ao palco do festival para dar seu ponto de vista sobre o racha que os serviços de video on demand (VOD) provocaram na indústria audiovisual, com abalos (para alguns irrecuperáveis) na velha tradição de janelas que separa lançamentos de cinema de suas estreias na TV. Em um keynote marcado por certa dose de tensão, ele falou sobre como a empresa está investindo de forma agressiva no mercado de filmes, com pelo menos cinco ou seis projetos no horizonte, incluindo Ridiculous 8, estrelado por Adam Sandler; Beasts of no nation, de Cary Fukunaga (adquirida por US$ 12 milhões no começo deste ano); e a sequência de O tigre e o dragão. Ele disse que o investimento para a maioria desses filmes é bastante amplo – em torno de US$ 10 milhões a US$ 50 milhões –, e que algumas produções da Netflix, como o filme de Adam Sandler, não serão lançadas nos cinemas.

Mas as considerações pararam por aí. Segundo a Variety e o The Hollywood Reporter, o tom amigável da conversa mudou completamente no momento em que a sessão foi aberta às perguntas do público. Sob uma chuva de protestos, Sarandos precisou encarar, entre outros, um repórter francês nada satisfeito com a atuação da empresa em seu país – a Netflix não contribuiu com os subsídios do cinema europeu, ao contrário da maioria das emissoras locais, que são obrigadas a fazê-lo. À indagação de que “se ele estava ciente que, daqui a cinco, dez, 15 anos, o modelo Netflx iria destruir o ecossistema de filmes na Europa”, Ted Sarandos rebateu dizendo que a Netflix iria “expandir o ecossistema de filmes na Europa”, fornecendo uma plataforma global para os cineastas europeus. Antes que ele pudesse continuar, o produtor Harvey Weinstein saiu em sua defesa. O chefe da Weinstein Co., que estava sentado na primeira fila da conferência, agarrou o microfone para defender a Netflix como uma “companhia visionária” e para descartar o sistema de subsídios de filmes europeu.

“Eu prefiro políticas de investimento em hospitais e escolas” do que subsídios a filmes, afirmou Weinstein. E acrescentou que a entrada da Netflix no mercado europeu deu uma “sacudida” no monopólio das emissoras locais, a exemplo da TF1. Weinstein argumentou que a empresa criou um novo mercado para o cinema europeu nos Estados Unidos, citando o fato de que 1 milhão de assinantes do Netflix nos Estados Unidos assistem a filmes franceses. “O último filme estrangeiro que foi vendido para o mercado americano foi Z, de Costa-Gavras, em 1970. As redes americanas basicamente olham para o produto europeu e dizem ‘nós não queremos isso’", comentou.

“Nós não somos anticinema”, afirmou o chefe de conteúdo da Netflix

Mais cedo, Sarandos havia se envolvido em uma ampla discussão sobre a estratégia da Netflix em relação aos filmes. “Nós não somos anticinema, nós somos pró-filmes”. Ele explicou: “Nada no Netflix pode competir com a vontade de levar sua namorada ao cinema. Agora, se você não está com vontade de se arrumar para sair, nada nos cinemas pode competir com o Netflix”. E destacou que a Netflix estava disposta a trabalhar em parceria com os cinemas para lançar simultaneamente os seus filmes. “O difícil é fazer filmes tão bons, mas tão bons, que os cinemas vão querer exibi-los, mesmo se estiverem disponíveis no Netflix”.

O chefe de conteúdo da Netflix também discutiu a questão das janelas de lançamento, dizendo: “Tudo sobre o modo com nós consumimos entretenimento tem mudado graças à internet, exceto a primeira janela para o cinema”, ressaltando que esperar 36 meses entre a abertura theatrical e o lançamento via assinatura de VOD – como é exigido na França – era muito demorado e significaria que a Netflix não vai liberar seus filmes nos cinemas franceses até que haja mudanças na lei.

Para Ted Sarandos, a televisão precisa se reinventar

A Netflix virou o mundo da TV de cabeça para baixo com as suas séries originais, a exemplo de House of Cards e Orange is the new Black. De acordo com Sarandos, quando a empresa surgiu, em 1997, ainda como locadora, 90% do seu conteúdo visto era de filmes. Agora esse valor é de apenas 33%, e as séries de TV representam dois terços do que o público assiste no Netflix. Porém, a empresa não revela seus números. “O sistema de avaliação na televisão é muito ruim para a própria TV”, afirmou, dizendo que “o foco nas avaliações levou a indústria da televisão a ser cada vez mais avessa aos riscos, de modo a alterar drasticamente seu cronograma caso aquele projeto não funcione bem nas duas ou três primeiras semanas”. Para o executivo, os programas de TV têm uma taxa de insucesso entre 75-80%, porque essa indústria tornou-se cada vez mais popular, mas não melhorou sua programação. Porém, reiterou: “Nós não queremos dar início a essa queda de braço”.

Escolhas através de palpites e estatísticas

Ao ouvir uma pergunta sobre como a empresa escolhe os filmes nos quais irá investir, Sarandos chamou o processo de “palpites orientados por números”, já que a estratégia utilizada mescla os algoritmos da companhia com o instinto de sua equipe. Ele disse também que, apesar de trabalhar com filmes de orçamento superior a US$ 50 milhões, a Netflix prioriza os de médio custo, que são, normalmente, os projetos que mais perdem dinheiro no mercado tradicional, devido ao alto custo de cópias e publicidade. “Esses filmes têm que alcançar receitas de bilheteria muito altas para ter algum lucro. Muitos são propostas fracassadas”, explicou.

Para ele, financiar os filmes de forma direta – seja através da aquisição de projetos ou de produção de conteúdos originais – foi a estratégia mais eficiente para o orçamento de programação da Netflix. “Custa cerca de US$ 1 bilhão para um estúdio comprar um projeto. Por esse mesmo valor, nós poderíamos investir em um pacote de filmes competitivos em termos de elenco e diretores que nós teríamos ao redor do mundo, e em um lugar onde não teríamos que esperar de 10 a 12 meses enquanto seguro minha respiração e torço para que os estúdios consigam vender bem o produto”.

Para acalmar a multidão de produtores europeus, Sarandos disse que a Netflix “com certeza” financiará filmes locais.  E insistiu que o plano da empresa é se tornar totalmente global em 2016, quando a maior parte de sua nova programação original será entregue.  

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