Bananeira investe em coproduções latinas

Bananeira investe em coproduções latinas

Thiago Stivaletti
14 mai 15

Imagem destaque

Tania Rego

Vania Catani: 21 longas

À frente da produtora Bananeira Filmes, que completa 15 anos em 2015, Vania Catani tem explorado novos rumos. Uma das principais produtoras de cinema no país, com 21 longas no currículo, incluindo parcerias com Selton Mello (Feliz natal, O palhaço e o novo O filme da minha vida, em filmagem) e Matheus Nachtergaele (A festa da menina morta), ela recentemente expandiu seu foco para as coproduções internacionais. Com a Colômbia, fez La playa. Em parceria com a Argentina, vieram El ardor e Jauja e o novo filme de Lucrecia Martel, Zama, em pré-produção.

Além de Jauja, o próximo a chegar aos cinemas, em junho, é Quase Samba, primeiro longa do mineiro Ricardo Targino. Estão na fila, em finalização, Redemoinho, do diretor da Globo Zé Luiz Villamarim; Deserto, estreia na direção do ator paranaense Guilherme Weber; e Mate-me por favor, de Anita Rocha da Silveira.

Um de seus próximos projetos em vista é a adaptação para o cinema de A primavera do dragão, de Nelson Motta, sobre a juventude de Glauber Rocha.

Como estão as filmagens de O filme da minha vida, de Selton Mello? Você já está planejando o lançamento?

Fechamos com a Europa Filmes para a distribuição. Gostaria muito que o lançamento tivesse o mesmo tamanho do O palhaço, com umas 300 cópias ou mais. Porque é pra frente que se anda, né? O palhaço teve um orçamento de R$ 6,5 milhões, este é de R$ 10 milhões - meu maior até hoje. É um filme de época rodado na Serra Gaúcha, com mais locações, um elenco grande e muitos figurantes, uma equipe de 70 pessoas. A gente se desloca por umas sete cidades.

Que acertos e erros você viveu com o lançamento de O palhaço?

Tudo foi bom. Lançamos numa data boa, 28 de outubro. Demos sorte porque as salas 3D estavam vazias, sem nenhum filme americano entrando, e graças a essas cópias digitais conseguimos um circuito tão grande. Acho triste quando um filme de circuito independente estreia em conta-gotas nas cidades. É muito melhor quando as pessoas têm a oportunidade de ver na mesma época. Senão vira um circuito de cinefilia, o público tradicional daquela cidade se sente preterido por ver depois.

Como é a estrutura da Bananeira?

Somos pequenos, temos uns dez funcionários no último andar de um prédio comercial na Glória. Agora contamos com a Leda Stopazzolli e o Roberto Vitorino, que estão atuando no núcleo de TV [atualmente, eles trabalham em cinco roteiros de séries de ficção pra TV, ainda sem acordo de exibição com canais, com uma verba de R$ 1 milhão da primeira edição do edital de núcleos criativos da Ancine]. Acho ótimo eles tocarem isso, porque eu não tenho interesse em ser a pessoa à frente desses projetos. Posso produzir, mas não quero cuidar do business. Quero descentralizar mais o trabalho daqui pra frente.

Como foram montadas as coproduções da Bananeira com a Argentina?

Cada uma funciona de um jeito. Zama é uma coprodução oficial reconhecida pela Ancine, com muitos talentos brasileiros: quatro atores, incluindo o Matheus Nachtergaele, a equipe inteira de arte chefiada pela Renata Pinheiro, a montadora (Karen Harley), o fotógrafo (Rui Poças)... Quando a argentina Lita Stantic saiu do projeto, eu indiquei dois jovens produtores argentinos à Lucrecia. Começamos a filmar no dia 18 de maio no norte da Argentina - não terá filmagem aqui no Brasil.

Captamos recursos do Fundo Setorial (cerca de R$ 1,6 milhao), que somam pouco mais de 20% do orçamento total, mais R$ 600 mil do acordo de coprodução Brasil-Argentina, além de um aporte do Telecine.

Na Argentina, eles não podem se dar ao luxo, como aqui, de financiar um filme que não seja coprodução. Lá, se você for a Lucrecia Martel ou um diretor estreante, ganha o mesmo dinheiro do INCAA. Não existe mérito. E o dinheiro só sai depois. Só o cinema comercial consegue se financiar sem coproduções, com a ajuda de um patrocinador.

No El Ardor, ajudei a levantar o elenco brasileiro (Alice Braga, Chico Díaz), mas a gestão do projeto era totalmente dos argentinos. Jauja é apenas uma produção associada, não é do mesmo modelo. Foi uma parceria em que o Canal Brasil entrou como coprodutor para aquisição, sem talentos brasileiros envolvidos.

Como você vê os mecanismos de financiamento para coprodução internacional hoje?

Acho que está bacana. A Ancine vai lançar uma linha do Fundo Setorial apenas para coproduções na América Latina. Esse edital não é bilateral, é dinheiro só do Brasil para filmes pequenos. Os diretores latino-americanos estão encantados. Eles sentem que o Brasil pode vir a ser para eles o que a Espanha foi no passado.

Coprodução é ótimo de se fazer. Mas tem que gostar muito, dá um trabalho do cão. É preciso facilitar um pouco a burocracia. Não sou contra as coisas que eles do governo pedem, mas o tempo que levam para analisar o que pedem.

De qualquer forma, o importante é que as coisas estão acontecendo. Os filmes estao aí, estao sendo feitos, finalizados, exibidos... eles têm um destino. Eu não suportaria fazer um filme para não ser lançado.

Mas onde está o obstáculo para uma maior penetração do cinema brasileiro?

Eu diria que está na distribuição e na exibição. A Ancine deu excessivo poder para os distribuidores no modelo do Fundo Setorial. Enquanto o setor da produção cresceu e se descentralizou no país, a distribuição continua na mão de muito poucos. As distribuidoras têm funcionado como estúdios, escolhendo os seus próprios projetos, contratando o produtor para um production service. Para produtores como eu, que querem influir nos projetos que estão realizando, isso não interessa. Elas não querem arriscar nada, e a gente tem que cortejá-las para conseguir os financiamentos. Felizmente, a Ancine pôs alguns limites para regular essa relação. Diminuiu muito, por exemplo, o tempo que a distribuidora pode deter os direitos da obra, que antes era de 25 anos.

Assim como a Ancine já faz uns cursos de treinamento para novos produtores, acho que devia haver cursos para novos distribuidores também. O mercado precisa de mais agentes nessa área. O tal do filme médio precisava ter para ele uma distribuidora média também. O Fundo Setorial não permite que a gente distribua por conta própria os nossos filmes. Mas nada impede que eu distribua o fime de um colega produtor e vice-versa. Talvez esse seja um caminho.

Daqui a dez anos, você acha que será mais fácil ou mais difícil produzir e exibir filmes de nicho no Brasil?

O jeito de exibir com certeza vai ser muito diferente. No VOD (video on demand), por exemplo, a gente negociava mal os nossos filmes, agora já estou tentando negociar melhor. Porque o futuro está aí. Eu mesma seleciono mais o que vejo em sala e vejo muita coisa em casa toda noite. Esses canais ainda não têm muita opçãoo pra quem curte um cinema mais alternativo - eu adoraria que houvesse um canal só com filmes da Criterion, por exemplo. Esse nicho de mercado pode não ter crescido nos últimos anos, mas existe e se mantém.

O único risco que a gente corre é essa caretização do Brasil. Se um pastor evangélico for eleito presidente, não sei se a Ancine poderia seguir a política independente que segue hoje, sem influir no conteúdo que a gente produz. É importante essa liberdade criativa que o cinema brasileiro tem, mesmo que ainda não tenha conseguido fazer grandes coisas com ela.

Como você vê os custos de se produzir hoje no Brasil?

Acho caro produzir no Brasil. Fiz parte de um júri de um edital no Uruguai agora que daria só US$ 110 mil para três contemplados. E a gente aqui chorando de barriga cheia. Nossos valores são absurdos. É uma loucura como um filme como Relatos selvagens custou apenas US$ 3 milhões - aqui teria custado muito mais. Lá, um profissional de cinema ganha um terço do que ganha aqui. Não estou sugerindo que os profissionais aqui ganham superbem, mas é preciso rever valores. Praticamos valores de uma época em que se fazia apenas um filme por ano. Hoje, a gente tem um movimento de produção muito intenso, o que poderia ajudar a reduzir um pouco esses custos.

Outro problema é o acesso. Todo bairro deveria ter uma sala. A Ancine deveria investir na construção de espacos de exibição. O filme do Ricardo Targino [Quase samba] vai fazer uma experiência nesse sentido. Ele estreia no dia 11 de junho em algumas salas, mas também vai ser exibido em praças e outros pontos alternativos. A ideia é assumir de vez essa falta de um circuito maior para os filmes independentes e encontrar novos caminhos.

Deserto: projeto de Guilherme Weber