Referência
no mercado de
cinema no Brasil
"Go ahead, make my day" ("Vá em frente, faça o meu dia"). Foram muitas piadas com a clássica fala de Dirty Harry em Impacto fulminante (1983). Mas não foram em vão. Durante pouco mais de uma hora de entrevista ao vivo no palco do CinemaCon, o mito Clint Eastwood fez o pesado dia de programação em Las Vegas virar momento histórico.
Encontro anual do mercado de Hollywood, com apresentações e seminários no cardápio, o CinemaCon tem poucos refrescos como o que se viu nesta quarta, dia 22. Exibidores e engravatados a granel interromperam seus papos de negócio para ouvir Clint, com 60 anos de cinema, repassar a carreira de ator e diretor. "Quando faço um filme fico obcecado, pensando nele o tempo todo, escovando os dentes, fazendo a barba", disse.
Mediada pelo site Hollywood Reporter, a conversa prestou tributo à carreira de Eastwood, mas não ficou restrita a glórias passadas. Afinal, aos 84 anos, o diretor alcançou seu maior sucesso comercial no ano passado, com Sniper americano. Foram US$ 541 milhões nas bilheterias do mundo, um recorde também para o gênero de guerra, superando O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg. Números que a plateia de donos de cinema reunidos em Las Vegas também aprecia aplaudir.
Sniper americano era um projeto de Spielberg
Curiosamente, o projeto de adaptar a biografia do atirador Chris Kyle, que deixou um rastro de vítimas na Guerra do Iraque, estava nas mãos de Spielberg antes de chegar a Eastwood. "Estava no meio do livro quando os produtores me ligaram. Sabia que ele iria filmar, então não me dei conta do propósito do contato", lembrou. Depois do convite, fez questão de telefonar para o amigo diretor, que tinha abandonado a missão por estar muito ocupado. "Falei: 'Ei, Steve, estou pegando suas sobras de novo'", brincou.
Com Bradley Cooper no papel do militar, o longa foi um sucesso inesperado para Hollywood. Não apenas toca num tema sensível para o público americano como estreou nos cinemas dos EUA com a classificação etária mais restrita (R, para maiores de 17 anos). Para Clint, o que fez a diferença foi o enfoque humano da guerra. "Muitos americanos têm acompanhado o que se passou no Afeganistão e Iraque, mas não pensam no ponto de vista das famílias de combatentes ou de quem estava na linha de frente. Esse não é um filme de ação cheio de tiros", disse.
Na contracorrente da indústria de blockbusters
Em uma indústria cada vez mais dominada pelos derivados e blockbusters para plateias jovens, a insistência de Eastwood em "filmes adultos" ("não confundam com aquele outro tipo de filme", alertou) não é exatamente um tiro certeiro. O cineasta nunca considerou seriamente participar de remakes de trabalhos passados ("provavelmente estragaria tudo") e muito menos ingressar no bilionário clube dos super-heróis. "Eu lia histórias em quadrinhos quando era criança. Não leio mais", provocou, com meio sorriso no rosto.
Assumidamente instintivo como ator, Clint começou a se interessar pela direção observando o trabalho de Don Siegel, parceiro de filmes como Perseguidor impacável (1971) e Alcatraz - Fuga impossível (1979). Depois de se revelar em westerns do italiano Sergio Leone (Por um punhado de dólares), conhecido pelo caos criativo, ele encontrou em Siegel um mestre do cinema eficiente. "Leone era incrível porque tinha uma enorme imaginação, era como uma criança, com muito humor. Don era muito organizado, conseguia fazer muitos filmes com pouco dinheiro. Ele foi um mentor para mim", contou.
Prolífico como o ídolo, Clint entregou dois filmes em 2014 (além de Sniper, também chegou aos cinemas Jersey boys - Em busca da música). Depois do intensivão, declarou férias de seis meses. Mas diz estar longe de se aposentar. "Estou fazendo isso há muito tempo e não vou parar", garantiu. O ofício de diretor, hoje, é uma paixão inescapável, ainda que desgastante. "Gosto do controle absoluto. É você quem está segurando o pincel e vendo a tela se formar. O mais difícil é responder a 300 perguntas por dia e manter essa visão. Por isso tem uma hora em que tenho que acionar meu instinto", contou.
Michael Moore, inimigo declarado
Fora do cinema, Clint Eastwood também é conhecido pelas posições políticas firmes, muitas vezes controversas. Em 2012, discursou na convenção do Partido Republicano, dirigindo sua fala (ou "digressão", segundo alguns veículos) a um Barack Obama imaginário representado por uma cadeira. No palco do CinemaCon, só abandonou o homem gentil para encarnar o Dirty Harry quando falou do engajado cineasta Michael Moore, que atacou Sniper americano em uma série de tuítes. Num deles, chamou os atiradores de covardes: "Eles acertam pelas costas. Não são heróis".
"Disseram que eu ameacei matar Michael Moore, não é verdade. Mas não seria uma má ideia", disse, para delírio da plateia. "Uma vez me perguntaram o que eu faria se ele entrasse na minha casa com câmeras para me surpreender, como fez com Charlton Heston, que na época sofria de Alzheimer. Respondi: 'bom, acho que se ele estiver invadindo meu jardim sou autorizado a atirar nele'", arrematou.
© Filme B - Direitos reservados