Referência
no mercado de
cinema no Brasil
Vem aí mais uma polêmica no reinado dos blockbusters no Brasil. Depois de serem alvo de um instrumento redutor da Agência Nacional do Cinema (Ancine), os megalançamentos são a matéria de um projeto de lei de autoria da deputada federal Alice Portugal (PCdoB). Relatora do PL que criou o FSA e ex-presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, a parlamentar quer impor uma limitação ainda mais dura para os filmes estrangeiros no país. Pelo texto, costurado a partir de conversas com nomes do setor, principalmente o produtor Luiz Carlos Barreto, os longas produzidos fora da indústria nacional ficariam restritos a, no máximo,15% das salas de cada complexo no lançamento. O limitador aprofundaria o já controverso pacto de exibidores, conduzido pela agência no início do ano. “O acordo é relativamente frágil, pois foi estabelecido com validade apenas para 2015 e, sobretudo, não tem força de norma legal”, afirma, em entrevista ao Filme B. O projeto foi encaminhado às comissões no dia 25 e aguarda apreciação para seguir para votação. Do mesmo partido do presidente da Ancine, Manoel Rangel, Alice Portugal (na foto com Luiz Carlos e Paula Barreto) também apresentou um PL que modifica a Lei da TV Paga, como conta a seguir.
Filme B: O que motivou esse projeto? Foi uma demanda de profissionais do mercado?
Alice Portugal: Estou no meu quarto mandato na Câmara dos Deputados. Sempre trabalhei buscando implantar políticas públicas para o fomento de todos os setores das artes. Fui relatora do Projeto de Lei 7.193/2006, que criou o Fundo Setorial do Audiovisual, na Comissão de Educação e Cultura da Câmara. Reafirmando o meu compromisso com o estímulo ao cinema nacional, apresentei o Projeto de Lei 807/2015, que estimula a produção cinematográfica brasileira.
No ano passado, como presidenta da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, recebi e ouvi representantes do setor, como o cineasta Luiz Carlos Barreto. Recebi o cineasta, em meu gabinete, em Brasília, diversas vezes, para tratar de ações de fortalecimento do cinema nacional e me comprometi em apresentar dois projetos na Câmara para tratar das demandas do setor.
Além do PL 807/2015, também apresentei, neste ano, o Projeto de Lei 313/2015, que altera a Lei 12.485/2011 (Lei da TV Paga). O inciso I do art. 20 da lei, ao tratar do conteúdo brasileiro exigido para a exibição nos canais de espaço qualificado e da exigência de programação nacional, estabelece que “pelo menos a metade dos conteúdos audiovisuais deve ter sido produzida nos sete anos anteriores à sua veiculação”. Segundo Barreto, isso representa uma verdadeira agressão à memória do cinema nacional. Por isso, o PL revoga esse inciso.
FB: Já vigora no mercado um redutor de circuitos de blockbusters, criado pela Ancine a partir de discussões de uma câmara técnica montada com representantes da exibição e distribuição. A proposta não corre o risco de contrariar essa decisão?
AP: O Projeto de Lei 807/2015 busca impedir que um único filme estrangeiro, que seja sucesso de bilheteria, ocupe, em um só dia, mais de 1.500 salas de exibição simultaneamente. Com isso, o espectador terá maior diversidade de oferta de produtos culturais cinematográficos. O projeto propõe limite de até 15% das salas de cinema de cada empresa exibidora para lançamento de filmes estrangeiros no Brasil.
Em dezembro do ano passado, foi feito um acordo entre a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a maioria das grandes exibidoras (aquelas que têm mais de 20 salas de cinema no país), estabelecendo um limite em torno de 30% de salas com o mesmo título estrangeiro. Porém, este acordo é, relativamente, frágil, pois foi estabelecido com validade apenas para 2015 e, sobretudo, não tem força de norma legal. Além disso, o acordo tem mais sentido em países onde há grande quantidade de salas de cinema, mas o Brasil tem poucos pontos de exibição, cerca de 750, segundo dados da Ancine.
FB: Não existe o medo de que o projeto entre em choque com as atribuições da agência? Afinal, ela é o órgão regulador desse mercado, com agentes que se debruçam sobre suas especificidades.
AP: A ideia central deste projeto é corrigir distorções evidentes de mercado na oferta de produtos cinematográficos por ocasião dos megalançamentos e ainda pela tarefa constitucional que o Estado tem de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e do acesso às fontes de cultura nacional, entre as quais o nosso cinema. Entendo que a matéria não irá ferir as atribuições da Ancine. Na verdade, irá regulamentar uma limitação adequada à realidade da oferta de pontos de exibição existentes no Brasil.
FB: Na sua opinião, o filme estrangeiro ameaça o brasileiro? De que forma?
AP: Cineastas denunciam que é frequente um filme americano ocupar a metade das salas de exibição do Brasil. É algo que nenhum país do mundo permite. Isso é uma ameaça à produção nacional. Os pequenos lançamentos no Brasil costumam ter somente 10 cópias e atingir até 5 mil espectadores enquanto em cartaz.
Com os megalançamentos, o espectador fique sem muitas opções. Com a limitação de 15%, ele terá maior diversidade de oferta de produtos culturais cinematográficos. Essa limitação de cerca de 30%, proposta no acordo entre a Ancine e as grandes exibidoras de salas, não se configura, em nosso país, como medida suficiente para evitar a distorção de mercado na oferta de produtos cinematográficos ocorrido por ocasião dos megalançamentos. Além disso, transforma em lei uma vinculação que é, de fato, pouco sustentável apenas por meio de acordo pontual entre a Ancine e os exibidores.
FB: Haverá produção suficiente e competitiva para preencher o restante do circuito que o projeto liberaria?
AP: Sim, pois a produção cinematográfica brasileira está em franco crescimento. Em 2013, a Ancine divulgou um balanço indicando que o desempenho do cinema nacional alcançou recordes históricos de número de lançamentos, público e renda de filmes nacionais, naquele ano. Ainda segundo o balanço, até o fim de 2013 chegaram às salas de cinema mais de 120 filmes, um número inédito nos últimos 30 anos. Cabe destacar que o crescimento tem sido uma constante: em 2002 foram produzidos 30 filmes nacionais, em 2012, foram 83, aumento de 277% da produção.
Segundo a Ancine, o apoio continuado do Fundo Setorial do Audiovisual pode ser creditado como um dos maiores responsáveis por este crescimento do cinema nacional.
FB: Qual a perspectiva de tramitação do PL? Em que setores a deputada pretende buscar apoio?
AP: O projeto encontra-se na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, aguardando designação de relator. Acredito que teremos o apoio dos deputados comprometidos com a cultura do nosso país e ainda contamos com a mobilização de toda a classe de cineastas brasileiros que lutam pela valorização e fortalecimento do cinema nacional.
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