Netflix: conteúdo local, alcance global

Netflix: conteúdo local, alcance global

Gustavo Leitão
11 mar 16

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Divulgação

3%: série brasileira começou a ser filmada hoje

Foi uma manhã de euforia para produtores brasileiros no RioContentMarket. Erik Barmack, vice presidente de conteúdos locais da Netflix, estava no palco. E os representantes de empresas nacionais só queriam saber daquilo: como ter seu projeto de série escolhido para integrar o catálogo do serviço de streaming que mais cresce no mundo. Até o executivo exclamar, lá pela quinta consulta sobre o tema: "Ah, essas perguntas sobre pitching...".

A escolhida até agora é apenas uma, a Boutique Filmes, responsável pela primeira série original brasileira desenvolvida com a gigante do video on demand, a ficção científica 3%. As filmagens começaram nesta sexta em São Paulo, e os oito episódios iniciais chegam ao serviço ainda este ano. Tiago Mello, diretor da produtora, foi convidado para mediar a conversa com o executivo, que tratou de temas como critérios de escolha, diferenças culturais e os hábitos dos consumidores de VoD.

+ Produtor da série 3% fala sobre o caminho até a Netflix

Com direção de Cesar Charlone - indicado ao Oscar pela fotografia de Cidade de Deus e diretor do longa O banheiro do Papa - e com Bianca Comparato e João Miguel nos papéis principais, 3% é apenas um dos esforços internacionais da Netflix no momento. Barmack apresentou cada um dos projetos, que parecem talhados para as preferências culturais de cada país - a empresa é conhecida pelo seu sofisticado uso do big data, os metadados gerados pelo comportamento de um usuário ou grupo de assinantes.

França, Itália e Alemanha estão na lista

A França, como o Brasil, estreia na seara de produções originais da plataforma este ano com Marseille. A série, que chega ao catálogo em 5 de maio, traz Gérard Depardieu como um prefeito em conflito com o filho adotivo (Benoît Magimel). "A ideia era fazer [o programa] como um filme francês, com muito diálogo", adiantou Barmack.

O México, que estreou sua parceria com o serviço em Club de Cuervos, volta a marcar presença com Ingobernable, "mistura de telenovela com [a série] 24 horas", na definição do executivo. Em 2017, chegam mais dois produtos estrangeiros: a italiana Suburra, drama criminal da produtora de Gomorra, e a alemã Dark, trama em tom de mistério que acompanha quatro gerações em uma pequena cidade e envolve viagem no tempo. A direção é de Baran bo Odar (Invasores: Nenhum sistema está salvo).

O movimento de internacionalização dos conteúdos não é por acaso. Acompanha a aguda expansão da empresa pelo mundo nos últimos anos. A Netflix está presente hoje em 190 países, com um total de 75 milhões de assinantes. Desses, 40% estão fora dos EUA. "Achamos que muito em breve a maioria da nossa audiência estará fora do território americano. E isso muda a maneira como produzimos nossas séries", disse.

Criações com sabor local autêntico

A nova leva de programas dá a impressão de ser um passo além de experiências internacionais anteriores como Narcos, que era um verdadeiro produto globalizado, com produção francesa (Gaumont), protagonista brasileiro (Wagner Moura), diálogos em inglês e espanhol e locações na Colômbia. "Na Europa, existe o costume de montar obras com uma combinação de atores de vários países, para que elas possam viajar. Mas acabam ficando com cara de que não são de lugar nenhum. O que faz sucesso no mundo são criações autênticas, com a cara do lugar onde foram produzidas", defende Barmack.

O executivo confirmou que os dados de navegação dos usuários no sistema são importantes para a companhia em seus esforços locais, mas desconstruiu a imagem de séries milimetricamente talhadas por algoritmos e gráficos de tendência. No caso de 3%, o big data indicava o interesse do público brasileiro por ficção científica e fantasia. "Usamos dados para confirmar decisões criativas que já estão na mesa. O fato de os levantamentos apontarem o apelo de um gênero no Brasil não significa que o público veria qualquer produção com esse perfil", afirmou.

Série brasileira terá alcance global

A série brasileira estará disponível simultaneamente para a base de 75 milhões de assinantes do serviço, em versão original com diálogos em português, além de opções de legenda e dublagem. "Que eu saiba, nunca houve uma ficção científica brasileira distribuída nos Estados Unidos. Será interessante acompanhar como será a recepção", entusiasmou-se Barmack. "Uma coisa que já conseguimos desfazer é o mito de que americano não lê legenda. Se o conteúdo for interessante, ele verá", completou.

Para outros produtores interessados, Barmack deu pistas do que a Netflix anda procurando (e evitando) no exterior. Em primeiro lugar, quer roteiros de fôlego, que possam se sustentar por muitas temporadas. Portanto, narrativas curtas não são prioridade. Também prefere projetos já plenamente desenvolvidos e amarrados, como foi o caso de 3%, que tinha um piloto em três partes no YouTube quando atraiu a atenção dos executivos da empresa. E, por último, um pouquinho de calma. "Mandem emails para mim com suas ideias. Se bem que tenho medo de dizer isso e começar a receber uma enxurrada de coisas", brincou.